segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Contradição e tapa-na-cara da hipocrisia - Os Funkeiros vilões ou heróis da Ostentação?


            Não é de hoje que as músicas oriundas das classes menos favorecidas sofrem baixa aceitação pelas outras classes. Não precisamos voltar à todas as práticas advindas dos escravos e imigrantes no Brasil para exemplificar
(religiões afro, capoeira, etc), podemos falar de exemplos mais vividos atualmente como o samba, o pagode, o Funk e muito recentemente do Funk chamado de Ostentação.
Em comum, nos cantos velados das casas grandes, dos clubes noturnos de ingresso elevado ou ainda nos almoços regados à álcool entre seus pares, os argumentos julgadores da expressão musical popular gira, em muitos casos, nos seguintes termos: “Coisa de Pobre”; “Coisa de negro”, “Vulgar demais”; “Apelativo Demais”, “Só Falam de Sexo”, “Não possuem requintes nos arranjos”, “A batida é sempre a mesma”.

Mas pelos lados de lá, ser Gangsta é um termo mais amplo. A realidade dos guetos norte-americanos, de bairros simples, com  violência entre gangues nas ruas, da policia e do racismo se tornam a-temporal. O clipe vira algo a-histórico, assistir músicas antigas reforçam uma ideia de que nada mudou por lá, e mudou? 
Esse quadro dos guetos é combinado com a demonstração de poder bélico, com armas e coletes que são combinados com um toque de ostentação econômica: carros grandes, muito, mas muito ouro no copro e mulheres (dignas de serem contratadas no Brasil como assistentes de palco) regadas à bebida da moda, roupas e joias grandes, figurando como um tempero final na receita de ser Gangsta Rap.
            Já no Brasil, ser ostentação é algo mais simples. O tempero de lá é o recheio do bolo por aqui. Mas não vamos ser hipócritas, a ostentação que está nos clipes de Funk, já era visível muito antes estão nos clipes dos Sertanejos, dos sertanejos de universidade, dos Pagodeiros, das músicas eletronicamente compostas por DJ´s e uma constante de ostentação marcante nos artistas da linha POP. Ou estou falando alguma bobagem? (vejam essa reportagem)


O que talvez seja novidade por aqui, e talvez aí esteja uma inovação misturada com uma certa ingenuidade, é compor da letra até a produção do clipe, falando apenas do poder do dinheiro: de comprar a tudo e a todos. Afinal, quem não está feliz rodeado de tudo o que o dinheiro pode comprar? Mas note bem, estar feliz, é bem diferente de ser feliz. Vejam esse crítica política sobre o Funk, pena que a mesma crítica não entra em outros estilos musicais:

O fenômeno da ostentação por parte dos mais pobres é um absurdo? Só para os que pensam como os ricos. Afinal, se “eles” fizerem como nós, os “reis anônimos do camarote”, como iremos ostentar? Para eles, não terá mais graça ter um Camaro amarelo ou uma Ferrari vermelha! Pois imaginem gastar tanta grana para mostrar o quanto de dinheiro possui e ainda ser confundido com “eles”, os pobres-ricos, não é? E é aí que eu me refiro. Que grande cartada da contradição, não é? Os ricos perdem a exclusividade de ostentar, pois os mais pobres estão entrando na área VIP e levando com eles a fama.
            O que é mais contraditório na educação dos seus filhos: Proibir que escutem o Funk cheio de sexo, traição e ostentação ou assistir junto com eles um programa de família, a novela das oito? Pois a novela é beeem diferente (#Sóquenão). Enredos cheios de traição, sexo e sim, ostentação. Boa questão, não é? Não quero ser entendido como moralista, acho que a novela revela boas questões, assim como o Funk Ostentação, mas em muitas questões, não vejo grandes diferenças. Me desculpem os Globais, ok?

http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/ricardofeltrin/950718-contra-a-fazenda-globo-poe-todo-elenco-de-o-astro-para-fazer-sexo.shtml

            Mas se a ostentação está em quase tudo, qual o problema de estar no Funk? Bom, aí voltamos a um argumento comum na cabeça do brasileiro. Para ser rico tem que merecer. Como é possível alguém “deles”, com pouca idade, ser mais rico que meu pai? Como é possível que “eles” queiram estar no Shopping? Que possam comprar as mesmas roupas, marcas e estilos que “nós” os ricos e exclusivos na aparência?
            Não sei se é uma crise de personalidade das classes abastadas, eu não chegaria tão longe fazendo previsões assim. Mas digo que a ostentação está tanto na sua televisão, quanto na sua música, nas propagandas, nos filmes. E todos deverão descobrir em breve que a desigualdade do Brasil está sim nas periferias, mas também no seu shopping, na sua faculdade, no seu rádio,  na sua televisão e na sua revista. Ostentação e desigualdade andam juntas meu caro. Talvez seja mesmo insuportável que um ex-miserável possa ostentar agora. É Zagallo, essa vocês terão que engolir, todo o dia e toda a hora. Você só conseguirá ficar longe dessa tensão em sua casa, ou seria o seu quarto, ou seu armário ou mesmo seu banheiro?     
Não gostou de saber de tudo isso? Ofende saber que você também faz parte disso, consome e gosta disso? Você responderia: Mas eu não ostento! E eu responderia: Mas consome a ostentação por quase todos os lados, ela está lá, mesmo que você não tenha parado para ver. Você aplaude as fortunas e os grandes gastos individuais, bate foto de carro importado e sonha em ganhar seu milhão, mas é na verdade um cidadão médio. Mas pensa como rico, vota como rico e acaba por viver a constante contradição. A culpa de tudo isso, dos políticos, claro. Seus filhos continuarão a escutar de você o seu preconceito, “que música terrível”, “que linguagem chula" você diz, mas Anita tocará no aniversário da sua filha hahahaha, essa pode, pois é como a novela, politicamente incorreta.  
            Gostaria de te convidar então para assumir publicamente: Eu ostento a ostentação. Fale também para seus amigos e familiares: Eu ostento a ostentação com vocês. Pronto! Agora será bem vindo ao clube da contradição. Julgar “eles” é fácil, mas ser parte da sua própria crítica irrita, né? #TensoMesmoÉviverAsuaContradição. 
              
Fica uma dica de documentário sobre a desigualdade no Brasil.


            ID! Ivan Dourado é Antropólogo e professor Universitário